sexta-feira, 2 de março de 2007

Chapéus (não) há muitos

Importa esta nota, para fazer notar alguns aspectos que, julgo eu, merecem, pelo menos, alguma reflexão e introspecção.
Falo do traje de Tuna, mais precisamente de dois trajes de duas tunas beirãs, os quais são distintos da capa e batina.
Mas antes de mais, há que fazer um parêntesis.

Em Portugal, diga-se o que se disser, o traje de tuna, o das Tunas Universitárias/Académicas (e só estas) é a capa e batina, tendo em conta o contexto, a tradição e ligação óbvia e natural à academia.
É certo que, há uns anos a esta parte, deu-se uma febre de secessão do traje académico, com a instalação de bairrismos que, quanto a mim, nada trouxeram de útil, antes pelo contrário, em alguns/muitos…. na maioria dos casos, apenas se revestiram de ridículo de todo o tamanho, para além de uma total incoerência e desrespeito por uma tradição secular nacional.

Com a proliferação de dezenas de novos panos, com N academias ou instituições de ensino superior a optarem por se vestirem de forma diferenciada, abandonando o traje nacional, dito erroneamente “de Coimbra” (erróneo, porque foi declarado traje nacional pelo próprio governo) e, muitas vezes, optando por indumentárias tão díspares quanto ridículas (fundamentalmente na argumentação encontrada para suportar a sua legitimidade histórico-etnográfica).

Com esse panorama teve de se digladiar a Tuna, principalmente toda aquela que acolhia no seu seio alunos provindos de várias instituições superiores, cada qual com seu traje. A solução encontrada, nestes casos, obrigava à adopção de um traje próprio de tuna que esteticamente apresentasse os seus elementos de igual forma.
O que muitos não terão, quiçá, compreendido é que, apesar de ser traje próprio à Tuna (não herdado directamente da tradição académica), ele mantém o mesmo carácter e significado, assumindo-se de igual papel e simbologia – apenas se trocava o pano, ficando o resto.

Este considerando prefacial para dizer que sou daqueles que defende o correcto uso do traje, o seu uso no seu todo, conforme manda a lei.
Sou defensor da capa e batina, contudo fiz caminho numa tuna que se viu obrigada a nova roupagem, pelos motivos acima expostos, algo bem diferente de outros casos onde a justificação apenas encontra argumentos na real gana que deu a alguém…… só para ser diferente (na mesma linha do que sucedera com a capa e batina e os “novos” trajes académicos).

As duas tunas beirãs em causa possuem, quanto a mim, dois dos mais belos trajes, senão os mais belos, de tuna do país. Um homenageando o Infante D. Henrique, o outro figuras também elas ímpares da história nacional e local como João de Barros ou Vasco Fernandes.
Dois traços da indumentária ressaltam à vista como remetendo directamente para as figuras e época homenageadas: O chapéu com turbante, a relembrar o Infante; o barrete e gola folhada (esta, comum na época evocada) a relembrar João de Barros (com a particularidade do barrete ainda remeter para Grão Vasco). O resto do pano, grosso modo, é uma aproximação ao traje epocal, adaptado à realidade do mester tunante.

Tudo isto para dizer o quê?

Para dizer que, de há uns anos a esta parte, ambas as agremiações deixaram de ser vistas com as ditas peças, as que mais directamente caracterizavam e “justificavam” a dita homenagem pelo traje, tendo em conta que, nos primeiros, o chapéu “turbantado” já não, ou muito raramente, é visto há tempo, tal como, nos segundos, o barrete parece que foi banido.
O que me parece caricato é que, num dos casos, mesmo aquele que queira trajar a rigor, com o dito na cabeça, é chamado à atenção para o não fazer, como se fosse ele a estar em falta, mesmo quando não há registo de qualquer referendo ou decisão legal para banir a dita peça do traje (uma decisão que, a meu ver, teria de contar com a presença não apenas dos actuais, mas daqueles que instituíram e legaram a praxis e o traje)

Pergunto-me que diria o nosso país se, por exclusiva auto-recreação, o nosso governo decretasse retirar da nossa bandeira, sei lá…., a esfera armilar ou o escudo com as 5 quinas, ou abolisse mesmo o vermelho só porque, sei lá….é a cor da bancada da oposição!

É um reparo que merece ser tido em linha de conta, não apenas porque falos de aspectos que são características e parte da identidade das tunas em questão, não apenas porque esteticamente é rico em simbologia, significado e beleza, mas porque é um legado e uma tradição que foi assumida aquando da instituição e opção da representatividade do traje e, por isso, deveria ser respeitada, promovida e perpetuada.

Bem sei que não dá jeito para mostrar o último penteado da moda, não fica bem com óculos escuros ou não é adereço muito prático, mas, como diz o chavão: Dura Praxis Sed Praxis (uma frase que muitos terão, certamente, repetido centenas de vezes nos seus tempos de faculdade).
Não há qualquer ortodoxia neste reparo, pois é óbvio que não estamos a falar no pontual não uso da dita peça em determinados momentos, mas é peça que faz parte do traje e isso deveria ser visível, pelo menos, em cima de palco ou em alturas de maior solenidade.
Pessoalmente, defendo que se deve sair de casa trajado a rigor. Se, depois, no local, é para ser sem capa, colete ou jaqueta….. cada ocasião e contexto ditará ao bom senso o que determinar, mas mais vale ter e não precisar do que o contrário.

O traje não faz o monge, mas nenhum monge assim é reconhecido sem ele, tal como o padre não celebra sem se paramentar de acordo com a lei canónica. Além disso, não se trata de um pormenor, dado que trajar a rigor é, também, o explicitar de uma postura e atitude da condição de tuno, perante a tuna, sua história, identidade e, mais do isso, perante os outros, perante aqueles a quem diz, através do seu traje, recordar e homenagear tal ou tal figura.

São duas grandes tunas, que apenas pecam por, neste aspecto, se descuidarem um pouco. Nada que não nos aconteça a todos, daí que estou seguro que voltaremos a ver ambas a deliciar-nos, não apenas pela sua música, mas também pela imagem fidedigna e coerente que transmitem a quem vê, ouve e aprecia!

“Chapéus há muitos!”, dizia Vasco Santana, mas os destas tunas não são uns quaisquer; são traje, senhores, são traje!