segunda-feira, 26 de maio de 2008

Circos tunantes



Hoje é para falar das Tunas em palco.
Não irei falar de música ou bater na tecla dos prémios, mas apenas salientar uma questão que tem vindo a ser recorrente em alguns espectáculos proporcionados por determinadas tunas.
Bem sabemos da importância com que se deve revestir a apresentação de uma tuna em palco. Não basta tocar e cantar bem, mas também é preciso adornar o todo com a componente cénica, já que, como diz o chavão popular, “os olhos também comem”.

Muito certo. Neste capítulo, podemos afirmar que as Tunas, grosso modo, vão conseguindo cativar o público com espectáculos equilibrados, onde a teatralidade e o jogo cénico são de grande qualidade – potenciando o produto musical apresentado (há, de facto,espectáculos/alinhamentos muito bem conseguidos, diga-se), de que dou o exemplo da Templária no Estudantino de há 2/3 anos.

Mas se, na generalidade, vamos assistindo a espectáculos de qualidade, não é menos verdade que, por outro lado,também somos presenteados com peças que se revestem de ridículo e destoam (porque sem nexo e coerência com o alinhamento, como que metidas às 3 pancadas), saídas de uma autêntica arte circense ou de um show-of que nada traz de mais valia.

Na tentativa de agradar sem olhar a meios, sem sequer ter a noção do fosso criado entre o que é Tuna e aquilo que nada tem a ver com a postura e cultura da mesma, repetem-se cenas que travestem a Tuna, mas a que todos acham graça ou fecham os olhos no costumeiro "nacional porreirismo" que grassa nesta comunidade.
Sucedem-se os episódios caricatos, por vezes ridículos, onde se força e leva ao limite o bom gosto, a coerência de uma Tuna em palco, numa gratuidade de mini-shows de mau tom ou descontextualizados, forçados e, por vezes, de mau gosto (como é o caso de mini-stand-up comedy, pausas para anedotas sem grça nenhuma e sem qualquer utilidade ou ligação como o alinhamento musical).

De que falo?
Bastaria referir o uso de patins no último CELTA, ou ainda no XVIII FITUA, por parte do porta-estandarte da Azeituna, o show de Hip-Hop no VIII INVICTA (salvo erro, por parte da Cartola), o porta-estandarte e pandeiretas das Moçoilas, vestidos com um fato de treino - no IV Tradições do ano passado, ou certas tunas de enfermagem que tocam de bata branca e apresentam sketches com uma parafernália de macas e material médico.
Falo de tunas que são capazes de ocupar mais de metade da sua apresentação com anedotas baratas e paleio de 15 tostões furados.

Julgo não haver necessidade deste tipo de recursos para inovar e cativar o público, principalmente quando certas inciativas colidem com a postura, cultura e respeito que a Tuna deve assumir perante o público, e principalmente perante os seus pares.
Existem muitas formas de agradar e potenciar um espectáculo (e temos tão bons exemplos disso), sem que tal se faça com a inclusão de “modalidades” alheias à Tuna, com números circenses que desviam do essencial, onde importa é impressionar e encher o olho ou mostrar que um dos seus elementos é muito bom em baras paralelas e por isso deve ser incluído, de qualquer maneira, no alinhamento.

O caminho da excelência não passa pela mediocridade de alguns expedientes que por muito giros que sejam (noutros contextos e locais), por muito façam rir e arranquem palmas, não pertencem ao palco tunante. Cada macaco no seu galho. O público anónimo e pouco avisado sobre a cultura tunante pode ser enganado, mas nem todos se acomodam com areia nos olhos!

Só falta um show de artes marciais, uma rubrica de culinária, ou um grupo de bailarinos do Conservatório Nacional a fazerem coerografias do lago dos cisnes durante um tema de serenata. Já agora, umas demonstrações de skateboard ou ginástica acrobática em músicas mais alegres ou um grupo de Sevilhanas em temas interpretados na língua de Cervantes!!!!
Só como sugestão, já que pegou moda o bailar da capa, por que não vestir o dito de toureiro e largarem um toiro, fazer uma pega de caras, ou vestir um grupo de tunos em campinos, po-los a cavalo, enquanto tocam um corridinho?

Desculpem a ironia e um certo sarcasmo, mas como tão bem terão percebido, imaginar disparates e cenas malucas sem nexo é um exercício muito fácil. Já a exclência, a classe e a qualidade de montar um espectáculo, com a inclusão de números de cariz mais teatral, com coerência (e dentro do âmbito tunante), exigem um esforço intelectual maior e, por isso, um maior critério e sentido crítico que não se conjuga com facilitismos ou recursos “pimba”.

Estou certo que os casos mencionados, e outros, podem ser corrigidos, tendo em conta que se reconhece, nesses grupos que os subsdidiam, qualidade artística mais do que sobeja para fazerem mais e melhor!

Fica o reparo.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Repertórios/Alinhamentos tunantes

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À hora que redigo estas breves linhas, estou comodamente sentado numa esplanada, bebendo uma bejeca e aproveitando a sobrinha preciosa e a aragem fresca que tornam tão saboroso este fim de tarde.
Esta é uma altura de alguma descompressão, para mim pelo menos, apesar de ainda estarem, algo, distantes as tão desejadas férias.
Agora, como mais tempo, decidi escrever sobre repertórios.

Todos nós estamos plenamente cientes do quão difícil é o definir de um alinhamento musical para um espectáculo, mas acima de tudo o urdir de um repertório que marque uma temporada, ou seja o plano musical estipulado para ser executado ao longo do ano.

Quando a Tuna inicia o seu ano de actividades, convirá desenhar um conjunto de temas a serem executados (já prontos); dessa lista serão, então sim, escolhidos os que melhor se coadunam com a natureza desta ou daquela actuação/espectáculo.
Deste modo, existirão, à partida, dois repertórios: o alargado - que assume as funções de cancioneiro da tuna (conjunto de todos os temas executáveis/sabidos) e o restrito, alinhamento constituído pelos temas eleitos para determinada actuação (que pode variar, conforme a natureza do evento, público, etc.).
A estes dois itens, convirá não esquecer a necessidade de definir o conjunto de temas a serem preparados, com vista à sua inclusão no cancioneiro (constituindo-se possibilidade de serem “convocados”) e posterior execução (quer para palco, quer para serem executados fora deste - como temas lúdicos e de cariz informal).

É certo que, depois, os novos temas podem ser agrupados para constituírem um alinhamento, per si (o que sucede na apresentação de um novo repertório ou, por vezes, na edição de um CD), ou então serem introduzidos gradualmente, a par com temas mais antigos.

Mas se assim é – e nada disse de novo, o que importará reflectir é aquilo que constitui o alinhamento num determinado espectáculo. Se é certo que uma tuna pode possuir vários repertórios pré-definidos, não deixa de importar o questionar da sua lógica e dinâmica temática e musical.

Que critérios assistem à elaboração e definição de um repertório numa tuna e quem define o mesmo?

A questão do repertório vem na sequência da experiência empírica e reflectida do muito que já vi e ouvi, bem como da própria experimentação.

O que melhor convém à tuna, nomeadamente num certame competitivo (e falo deste caso por ser aquele onde se reconhece haver maior cuidado, bem como ser o evento onde mais vezes se podem observar tunas a tocarem um repertório minimamente preparado e definido com tempo)?

Bem sabemos que, e como já salientava o Eduardo Coelho no ENT de Viseu, as regras de uma boa rádio é, num conjunto de 3 músicas, emitir um tema reconhecido, depois um sucesso do momento e, então sim, entremear com uma estreia/inédito.
Se olharmos por esse prisma – que pessoalmente acho apropriado, no que concerne a uma boa gestão da relação e dinâmica tuna/público, então estaremos a falar na necessidade das tunas moderarem na quantidade, por vezes excessiva, de executarem originais a metro.
Por outro lado, tal diz-nos que o lugar dos covers ou sucessos tunantes (que se deixaram de ouvir em palco, infelizmente) deve ocupar 2/3 do nosso repertório, de modo a potenciar o que, depois, a tuna apresenta como seu.

Pessoalmente defendo essa tese, mesmo se ela é, reconhecidamente, desmontável, mediante os mais diversos argumentos (que eu poderia subscrever, já que também sou autor/compositor), daí que não é líquido - nem tal deve ser tido como dogma ou receita infalível.

Mas, mais do que isso, queria abordar a questão do fio condutor, do litmotiv musical que serve de esqueleto ao espectáculo.
Pelo que muito vi, e ouvi, uma grande parte daquilo que as tunas constroem em termos de alinhamento não passa de uma “manta de retalhos”, onde os temas se sucedem sem qualquer relação entre si, sem qualquer gradação temática, cénica ou musical (sem nexo, para ser mais exacto).
O que, por norma, acontece, é que os temas entram no alinhamento à medida que são escolhidos/criados e ensaiados, sendo que são estes que subordinam o repertório e não o contrário: repertório (plano) que estabelece os critérios de escolha das músicas a serem executadas.
Assim, assiste-se a uma cultura do “improviso” e “casualidade”, onde o repertório fica ao sabor da “espontaneidade” (um elemento que acha aquele tema giro e o traz para o grupo – e aí, conforme a sua influência neste, o tema sobre nas prioridades das músicas a serem ensaiadas) ou da inspiração “acidental” (onde se repete o mesmo processo – o peso que cada um tem na tuna ajuda, e muito, a ultrapassar, ou não, as “listas de espera”, quando as há).

Será que a mera qualidade/beleza dos temas, em si, justifica a sua inclusão “desordenada” ou meramente cronológica?
Pessoalmente, julgo que não. O que pode ganhar em diversidade, perde numa certa homogeneidade de sentido e pertinência (mesmo se, como já disse, nem sempre isso é líquido).

A que deve “subordinar-se” o repertório/alinhamento de determinado espectáculo?
A meu ver, há que estabelecer objectivos: o que pretende a tuna transmitir ao público? Que mensagem e em que moldes?

É no traçar de metas que o repertório ganha textura e sentido; e aí existe uma multiplicidade de possibilidades e variantes a explorar: podemos levar o público a fazer uma viagem pela nossa lusofonia, abordar o tema das descobertas, prestar homenagem à Amália Rodrigues, ao fado de Lisboa, à marcha popular ou canção ligeira, à música popular, aos estudos e vida de estudante, ao amor (retratando os vários passos da sua conquista, perda, reencontro, etc.), ……..

Dir-me-ão, então, que falo de temática. Falo mesmo!
Mas se importa pintar um assunto, uma mensagem – que se pretende transmitir, convirá não esquecer a moldura.
Aí falarei de dinâmica musical.

Um espectáculo que passa pela conhecida “rajada de metralhadora” agasta, cansa e perde. Nenhum tema pode ser igual ao anterior na intensidade, sentimento e forma de abordagem. Não pode ser tudo a metro e tudo de rajada!

A escolha da temática deverá levar em linha de conta, também, esse suporte. Uma sucessão de músicas tristes e “choradas” poderá ter um resultado indesejado, do mesmo modo que temas de deixar a plateia aos pulos, de princípio ao fim, cansará e eclipsará os temas de permeio.
Assim, importa estabelecer uma gradação, ou pelo menos exponenciar momentos, gerindo sentimentos e empatias (com mais ou menos picos).
Importa por o público à escuta, perceber como deixá-lo a sambar nas cadeiras, tal como o por "em sentido", mas tudo de um modo que potencie cada parte, cada tema, para que cada um se constitua único.

Numa visão mais global, haverá que determinar um princípio, meio e fim, onde tal se perceba, num esforço de gestão do espectáculo, do público e, não o esqueçamos, da própria tuna.
A tudo isto, a pertinência dos aspectos cénicos que servem, também, de moldura e são potenciadores do produto musical, ajudando a criar laços entre o palco e as coxias.

A quem cabe definir tudo isso?

Cabe, em primeira instância, à tuna, a qual precisa de estar em consonância e harmonia, a qual precisa de se identificar e gostar daquilo que toca e canta – definindo um tema ou área temática. Depois, ao Magister ou conselho artístico, a quem compete a escolha e preparação dos temas a serem trabalhados, mediante critérios que confiram senso, pertinência e qualidade ao espectáculo, conquanto encontrem, também, eco nos demais tunos (embora, nestas coisas, não se possa deixar tudo ao sabor da democracia, posi cada cabeça sua sentença e para alguma coisa serve quem está indigitado para coordenar os aspectos musicais e artísticos).

Tudo isso é algo que se define no “antes” e nunca no “depois” – e raramente no “durante”.
Planificar, com tempo, é, ainda o método mais seguro de construir bem, ou menos mal!!!!