sexta-feira, 29 de julho de 2016

A Tuna da Estudantina Portuguesa em Madrid, Abril de 1890


ACTUALIZAÇÃO (08-09-2018): ARTIGO CUJAS CONCLUSÕES SÃO REVOGADAS E AGORA ESCLARECIDAS NESTE ARTIGO: http://alemtunas.blogspot.com/2018/09/a-estudantina-portuense-em-espanha.html

Toda esta questão gira em torno de uma gravura identificada, em "Qvid Tvnae" como sendo a Estudantina da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa[1]


Gravura de J. Combas&Rico
(Museo Internacional del Estudiante)


A investigação, então levada a cabo pelos autores, apontava para tal.
Mas, aparecendo novos dados, como aqui se apresentam, volta a surgir a dúvida, pelo que necessário revisitar quer os documentos já investigados quer fazer nova visita às hemerotecas em busca de mais dados.
Tratar-se-ia mesmo de uma efémera formação com epicentro na dita escola (embrionária da futura Tuna Académica de Lisboa, fundada 5 anos mais tarde), como apresentado na obra citada; uma outra proveniente do Porto ou Coimbra ou, ainda, uma formação mista que agrupava elementos das várias academias presentes?
É o que vamos tentar responder, a partir dos dados de que, à data, dispomos, após nova ronda de investigação.

Revista Occidente, 13º Anno, Volume XII, Nº 409 de 1 de Maio 1890, p.101


O que sabemos é que, nesse mês de Abril de 1890, desloca-se a Madrid uma larga comitiva de alunos provenientes das 3 grandes academias de ensino superior em Portugal, com o intuito de estabelecer as bases para a criação de uma Federação Escolar/Académica Ibérica, dentro do contexto de aproximação ibéricista que era defendida por muitos políticos, de ambos os lados da fronteira[2].

Os estudantes portugueses em Madrid, 1890
(Museo Internacional del Estudiante)

São aliás diversos os encontros ibéricos nesse sentido, entre estudantes fortemente seduzidos por uma união ibérica que tornasse ambos os países mais fortes na cena internacional e consumasse a irmandade que, pelo menos os académicos de então, então professavam e viviam intensamente - e de que as visitas recíprocas das tunas eram, também, expressão.

Certo é que, no que concerne à "orquestra da estudantina" (à tuna), se trata de uma formação efémera, ou seja de uma tuna formada para o efeito e depois desmobilizada, terminada a viagem.

O TERMO "ESTUDANTINA"

O que os documentos pesquisados demonstram inequivocamente é que a comitiva era composta por estudantes de Coimbra, Porto e Lisboa.
Mas o que também pode induzir em erro é tomar o termo "estudiantina" (que continuamente é empregue nos periódicos espanhóis) como sinónimo de Tuna.
Estamos em 1890 e essa designação ainda não está definitivamente associada a grupos musicais. Pelo contrário, o termo é ainda, e muito, utilizado  na sua significação original: grupo de estudantes (apenas e só).
É por isso importante ler esses mesmos documentos à luz da época e do significado que as palavras têm nessa mesma altura, sob pena de sermos induzidos em erro.
Assim, de todas as vezes que confrontados com a leitura de "estudiantina portuguesa", estamos, neste caso específico, a falar do grupo de estudantes que viajou até Madrid e não exclusivamente de uma tuna.
Por outro lado, e como mais adiante se infere, o que parece plausível é que da estudantina presente (contingente de estudantes), nela existisse um grupo que comporia a orquestra que fazia parte do grupo mais alargado de estudantes (uma estudantina/tuna dentro da estudantina).

A TUNA (Orquestra da Estudantina)

Mas não estava presente uma tuna, precisamente a que os periódicos assinalam como tendo dado concertos?
Sim, é verdade que, segundo os periódicos, se referem concertos dados por esses estudantes que estavam divididos em 3 grupos: "A Tuna", "A Boémia" e "O Grupo", contudo não se explicita objectiva e inequivocamente quem fazia parte de cada um deles.
Aliás, segundo alguns artigos, o grupo que constitui a orquestra, a Tuna portanto, até seria de uma escola de música - só não se percebendo de que escola se tratava. É, aliás, um mistério que ainda não conseguimos resolver e que motiva, precisamente, este artigo.

1.ª Possibilidade


Parece-nos de descartar que fosse a Estudantina de Coimbra, pois encontraríamos, certamente, disso notícia na obra dos irmãos Nascimento[3], os quais escrutinaram minuciosamente, nos periódicos da época (e arquivo da tuna), a actividade da Estudantina e da TAUC entre 1888 e 1913. Ora não há qualquer menção ao facto. Além disso, e comparando o repertório conhecido da Estudantina de Coimbra com o que é referido no artigo do jornal El Imparcial, de 12 de Abril, nenhum tema é coincidente.

2.ª Possibilidade


Já sobre a possibilidade de se tratar da Tuna Portuense, um dos artigos que abaixo apresentamos, refere que os estudantes que regressaram a Portugal pela linha do Douro[4], pararam para dar concerto em Salamanca[5].
Levanta-se, portanto, a possibilidade de que, pelos menos alguns, pudessem ter feito parte da Tuna que deu concerto em Madrid, mas não cremos plausível que se tratasse exclusivamente de uma tuna escolar do Porto, pois, caso assim fosse, isso teria ficado bem explícito nos jornais quer portugueses quer de Espanha (que costumam objectivamente, por norma, identificar a proveniência das tunas) que consultámos.
Outro facto poderia suportar a ideia de ter havido estudantes portuenses a fazer parte do grupo que deu concerto em Madrid: constar do repertório um tema inequivocamente ligado ao Porto: "Amor da Pátria (Brinde aos Académicos do Porto)", do compositor portuense Eduardo Fonseca, que data precisamente dessa época.
No entanto, parece pouco credível podermos falar numa tuna exclusivamente portuense, independentemente de efémeras formações tunantes que são referidas como existentes no Porto desde 1888, tendo em conta o  periódico "O Tripeiro", na sua edição de 12 de Abril de 1948[6] - "Aconteceu há 50 anos" - que refere a fundação formal da Tuna do Porto em 1891 (embora seja uma referência indirecta).
Além disso, o tema "Amor da Pátria" foi largamente difundido no país, como verdadeiro hino contra o ultimato da Inglaterra, pelo que seria tocado não apenas na invicta cidade.

3.ª Possibilidade


Sobre a questão da Escola Médica de Lisboa, em razão da  conhecida actividade artística dos seus alunos (e são muitas as descrições dos cortejos e récitas que promoviam, nomeadamente no carnaval e no final do ano lectivo), parece a melhor colocada para lhe atribuir o contingente que forma o núcleo base da dita tuna.
O que sabemos é que, em 1890, e para levar a cabo um espectáculo artístico, nomeadamente instrumental (especialmente com o grau de dificuldade que o repertório apresentado exigia), eram precisos morosos ensaios. Impossível, portanto, em nosso entender, que tivesse sido possível um concerto por parte de um grupo que só naquela ocasião, e apenas em Espanha, se juntou.
Teria, portanto, de provir de um grupo já ensaiado, de um conjunto de estudantes que se pudessem, antecipada e periodicamente, reunir para preparar um concerto, ou seja de uma academia só. Essa é a razão pela qual se apontou, naturalmente, para os alunos da Escola Médica de Lisboa (Escola Médico-Cirúrgica, como se chamava então) como aqueles que constituíram a "orquestra da estudiantina" (a Tuna, portanto) que tocou em Madrid.
Outro dado que para isso podia apontar é o especial destaque dado aos estudantes de Lisboa na sua presença em Madrid, que encontrámos num dos artigos:

El Imparcial, Ano XXIV, N.º 8217, de 13 de Abril de 1890, p.3

"Una señora española, doña Micaela Gonzalez, entusiasta por Portugal, entregará hoy una preciosa corona à los estudiantes lisbonenses".[7]

Por que razão oferece uma coroa de flores apenas aos estudantes de Lisboa e não a todos, ou seja aos estudantes portugueses? Não será, eventualmente, porque se destacaram de alguma forma? Como a citação faz parte de um mais amplo artigo que também refere vários concertos dados pela estudantina portuguesa, inferimos que o mais provável seria que os músicos que dela faziam parte fossem quase todos da Escola Médica de Lisboa.
Aliás, como mais abaixo explicamos, parece claro que pelo menos de Lisboa seriam os músicos da Estudantina.
Este é o raciocínio decorrente da leitura comparada dos vários artigos da época e da bibliografia citada.


O "MISTÉRIO" DA ESCOLA DE MÚSICA


Mas há sempre um "mas".

Mais recentemente, fomos confrontados com dados que nos tinham passado entre os dedos, a quando da investigação feita para o "Qvid Tvnae", e que referem, preto no branco, que a orquestra, a tuna propriamente dita - que toca em Madrid, era composta por estudantes da escola de música:

La Ilustración española y americana, Ano XXXIV, N.º XVI, de 15 de Abril de 1890, p.227


"...organizandose en seguida una manifestación imponente, en la que figuraban estandartes e banderas de Portugal, de España, de la Faculdad de Medicina de Lisboa y de la Escuela de Música, á que pertenecía la estudiantina portuguesa...." [8]

Ao lermos este excerto, do ponto de vista da sintaxe, parece claro que os componente da tuna são de Lisboa, assim como provável que, aqui em concreto, o termo "estudantina" se referisse, agora sim, à tuna propriamente dita.
Estranhamente não há referência a estandartes do Porto ou Coimbra, quando encontramos, num outro artigo (ver mais abaixo a cronologia - dia 11 de Abril), um cortejo onde se refere que os estudantes portugueses brandiam os estandartes das faculdades de direito, ciências, filosofia, letras e medicina, bem como da escola superior de diplomacia (a aula de diplomática inicialmente criada na Faculdade de Cânones de Coimbra, em 1796, é transferida para Torre do Tombo de Lisboa em 1801, extinta em 1831 e reactivada em 1836) e outras.

De que escola de música se tratava é que é o grande mistério.
Seriam alunos do conservatório? Outra escola de música não existe em Lisboa.
Os alunos do conservatório, que se saiba, não usavam capa e batina (traje académico) como traje escolar regular, até porque, nenhuma escola de música ou conservatório, à época, gozava do estatuto de ensino superior, como as nossas pesquisas comprovaram[9], coisa que só posteriormente ao 25 de Abril de 1974 virá a ocorrer, com a criação da Escola Superior de Música (integrada no IPL).
Além disso, e como poderão mais abaixo ler nos artigos dispostos cronologicamente, o que é referido no artigo do jornal "El Imparcial", de 13 de Abril, ajudará a desfazer algumas dúvidas remanescentes, pois afirma que a Tuna é composta de verdadeiros estudantes, pelo que de fora ficam os músicos profissionais, formados exclusivamente nessa área.

O que muito provavelmente temos perante nós são estudantes da Escola Médica de Lisboa, e porventura de mais alguma da capital (pois que se refere a escola de diplomacia) que também aprendiam música no conservatório - o que tem muito mais sentido, tendo em conta que sabemos que muitas tunas eram compostas por estudantes que cursavam os seus cursos, mas detinham conhecimentos musicais adquiridos no conservatório.
Pelas informações recolhidas junto de Maria Luísa Vilarinho[10], que há vários anos investiga especificamente a vida e personagens da Escola Médica de Lisboa, era algo muito comum nos jovens rapazes daquela instituição[11].

Tratar-se-ia, portanto, de um grupo de futuros médicos (e mais alguns outros) que concomitantemente estudavam ou tinham estudado música no conservatório?
É uma forte possibilidade, a mais plausível, diga-se.

Conclusão

Parece mais que provável que os componentes da tuna, da "orquestra da estudiantina", eram de Lisboa.
Parece muito provável que a maioria fosse da Escola Médica.
Parece inquestionável que a maioria sabia música e que o repertório era exigente (quer o que é explicitamente repertoriado quer os demais "aires nacionales" que são referidos para outros concertos).
Não podemos, contudo, é jurar a pés juntos, precisamente porque não encontrámos nenhuma cabal prova escrita.
Até prova em contrário, afirmar que se tratava da Estudantina da Escola Médica, podendo não ser 100% rigoroso, não andará, ainda assim, longe disso.

O assunto não fica fechado, bem entendido.

Abaixo apresentamos, cronologicamente, os artigos encontrados na nossa pesquisa:


5 de Abril de 1890


El Liberal. Ano XII, n.º 3945, de 5 de Abril de 1890, P.2

Como esclarecemos já, a expressão "estudiantina portuense" não se refere a uma tuna, mas ao conjunto de estudantes que, neste caso do Porto, se vão juntar aos demais colegas de Coimbra e Lisboa, em Madrid.

7 de Abril de 1890


La Correspondencia de España,  Ano XLI, N.º 11690, de 07 de Abril de 1890, p.2


El Liberal, Ano XII, N.º 3947, de 07 de Abril de 1890, p.2

9 de Abril de 1890


 El Liberal,Ano XII, N.º 3949, de 09 de Abril de 1890, p.


La Monarquía, Ano IV, N.º 884, de 09 de Abril de 1890, p.1


La Monarquía, Ano IV, N.º 884, de 09 de Abril de 1890, p.2


Neste artigo em concreto, no parágrafo destacado a vermelho, é referida a fama que as estudantinas (tunas, neste caso) portuguesas tinham. Estranhamente, apenas uma está formalmente constituída: a de Coimbra (fundada em 1888), sendo que as demais são efémeras.


a Unión Católica, Ano IV, N.º 853, de 09 de Abril de 1890, p.2


El Día, N.º 3573, de 09 de Abril de 1890, p.2



La Correspondencia de España, Ano XLI, N.º 11692, de 09 de Abril de 1890, p.3


10 de Abril de 1890


Diário Illustrado, 19.º Anno, N.º 6113,de 10 de Abril de 1890, p.2

La Ibéria, Ano XXXVII, N.º 11938, de 10 de Abril de 1890, p.2


Muito interessante, aqui (e por isso destacado a verde), é a descrição da forma como os estudantes (alguns) trajavam, sendo as suas vestes imediatamente tidas como similares às usadas pelos escolares espanhóis antes da abolição do foro académico e do traje em 1834: manteo e tricórnio.
No entanto, e até pelas imagens que existem desses mesmos estudantes, a haver, seriam apenas alguns, pois que nessa época o tricórnio há muito tinha desaparecido dos trajes estudantis, imperando antes o gorro e a barretina, que são os únicos visíveis na imagem.


11 de Abril de 1890


Diário Illustrado, 19.º Anno, N.º 6114,de 11 de Abril de 1890, p.2

Na imagem apresentada ano início deste artigo, constante na publicação de "O Occidente", é possível encontrar os estudantes espanhóis junto ao hotel Oriente onde estão hospedados os colegas portugueses, de que este recorte fala.
Refere-se, no final, o concerto que será dado no teatro Príncipe Alfonso.


12 de Abril de 1890



Diário Illustrado, 19.º Anno, N.º 6115,de 12 de Abril de 1890, p.2

El Imparcial, Ano XXIV, N.º 8216, de 12 de Abril de 1890, p.2

Neste grande artigo do "Imparcial" é-nos dado conhecer o repertório que a tuna portuguesa interpretou no teatro Príncipe Alfonso em honra dos colegas espanhóis. Um repertório dividido em 3 partes num espectáculo a que assistiu a família real.
No segundo destaque que fazemos neste artigo, refere-se que 2 elementos que compunham a orquestra (tuna) da estudantina executaram vários temas nacionais, só não se referindo com que instrumentos.


13 de Abril de 1890


 La Ibéria, Ano XXXVII, N.º 11941, de 13 de Abril de 1890, p.2

Diário Illustrado, 19.º Anno, N.º 6116,de 13 de Abril de 1890, p.2

 El Imparcial, Ano XXIV, N.º 8217, de 13 de Abril de 1890, p.3
Este artigo contempla algumas passagens bastantes interessantes que de seguida ampliamos:


Para além de já termos referido as 3 secções que compunham o espectáculo musical, se refere que não apenas é constituída por estudantes autênticos como chega a avançar que este grupo sabe mais de música e a executa melhor que a maioria da tunas espanholas da época, as quais só parecem levar vantagem, segundo o periodista, por tocarem temas mais alegres, como jotas e outros temas populares.


15 de Abril de 1890


La Ilustración española y americana, Ano XXXIV, N.º XVI, de 15 de Abril de 1890, p.226

Diário Illustrado, 19.º Anno, N.º 6118,de 15 de Abril de 1890, p.3


Neste último recorte, damos nota do que já tínhamos mencionado: a referência à escola de música de que provinham os executantes da tuna.
Depois, temos uma nova referência aos trajes dos estudantes portugueses, similares aos antigamente usados pelos escolares espanhóis e que parecem suscitar o desejo dos estudantes de Salamanca em pedir ao Ministro que permita novamente o uso daquele tipo de traje, adjectivado de "antiquado".
Uma vez estranhamos a referência ao tricórnio ("sombrero de medio queso"), pois nenhuma das imagens ou fotos existentes mostram esse tipo de chapéu nos estudantes lusitanos, mas, pelo contrário, gorros e barretina.
Termina o artigo com referência ao concerto dado no teatro Príncipe Alfonso.


16 de Abril de 1890

Diário Illustrado, 19.º Anno, N.º 6119,de 16 de Abril de 1890, p.3

Referência que nos colocou em dúvida, quanto aos escolares do Porto, dado que o lógico seria que pelo menos os estudantes de Lisboa usariam outro ramal ferroviário. 
Mas como não sabemos que linha férrea usaram os estudantes da capital, para regressarem a casa (tendo eventualmente de ir até Salamanca também), não temos como contestar o que até agora avançámos sobre o facto da tuna ser composta por estudante de Lisboa.


19 de Abril de 1890


Diário Illustrado, 19.º Anno, N.º 6122,de 19 de Abril de 1890, p.3

O último recorte refere que os estudantes do Porto já regressaram de Madrid.





Nota: Pesquisa feita no âmbito do CoSaGaPe.






[1] E assim, consequentemente, identificada também no blogue Virtual Memories (artigo de 12 de Dezembro de 2011 - Em linha) e no site de Tvnae Mvndi - Em linha)
[3] NASCIMENTO, António José S.e NASCIMENTO, José António S. – Estudantes de Coimbra em Orquestra: Tuna Académica da Universidade de Coimbra (1888-1913). Coimbra: Bubok Publishing S.L., 1.ª ed., 2010.
[4] Que fazia a ligação entre o Porto e Barca d'Alva e, depois, daí a La Fuente de San Estaban que depois entroncava na linha férrea de Salamanca (que depois permitia ir para Madrid ou outras cidades espanholas).
[5] Diário Illustrado, 19.º Anno, N.º 6119,de 16 de Abril de 1890, p.3
[6] O Tripeiro, n.º 12, Abril de 1948, p. 282., citado em Qvid Tvnae, p. 216
[7] El Imparcial, Ano XXIV, N.º 8217, de 13 de Abril de 1890, p.3
[8]  La Ilustración española y americana, Ano XXXIV, N.º XVI, de 15 de Abril de 1890, p.227
[9] CRUZEIRO, Maria Eduarda ; PEREIRA, Raul da Silva - Cronologia histórica das universidades portuguesas : 1759-1968 . ISSN 0003-2573 In: Análise social, Lisboa, 6 (22-23-24) 1968, p. 837-899. [Em linha]
[10] Membro da Sociedade de Geografia de Lisboa e com obra editada na área da história médica em Lisboa.
[11] Ainda hoje, em Lisboa, e nomeadamente no que concerne o Instituto Gregoriano, grande parte dos seus alunos cursam medicina ou o IST e a percentagem de alunos de medicina que estudou música em Lisboa é elevada.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Tuna de Coimbra e do Porto impedidas de viajar em/para Espanha em 1900




Em fevereiro de 1900, duas tunas portuguesas são impedidas de prosseguir viagem para/em Espanha.
Estamos a falar do já conhecido caso da Tuna Académica de Coimbra (TAUC) e de um outro, agora descoberto, envolvendo a Tuna do Porto.
O que à primeira vista poderia suscitar a teoria que justifica razões políticas[1] para tal, parece não ter qualquer fundamento. Os motivos parecem bem mais simples e plausíveis.

TUNA ACADÉMICA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


Notícia que dá conta da partida da Tuna com destino a Salamanca.
Tempo, 5.º Anno, N.º 1079, de 21 de Fevereiro de 1900, p.2

 Partida da Tuna de Coimbra, no dia 23 de Fevereiro, com destino a Salamanca e Valladolid.
A Vanguarda, 5.º Anno (décimo), N.º 1188 (3134), de 26 de Fevereiro de 1900, p.3



Tal como narra "Qvid Tvnae", a Tuna Académica de Coimbra estava em Salamanca (chegada no dia 23 de Fevereiro), onde deu concerto e desfilou pelas ruas. Depois de uma estadia de 2 dias, pretendia deslocar-se a Valladolid, mas foi informada por telegrama (enviado ao chefe da estação de combóios de Salamanca) que o governador proibia a sua deslocação (alegando-se posteriormente motivos de saúde pública) e não deixando outra solução ao estudantes que não fosse regressar a Coimbra.
Ironicamente, mais tarde, já com a Tuna de Coimbra de regresso a Portugal, chegará novo telegrama a permitir a viagem.

"Pormenor interessante é o facto de, nessa visita, mais precisamente no dia 25[2], a Tuna Académica de Coimbra ter sido impedida de prosseguir para Valhadolid. O impedimento promanara do Governador daquela província espanhola, em decreto enviado directamente para o chefe da estação de Salamanca, obrigando os conimbricenses a regressar a Portugal, alegando questões de salubridade, de índole sanitária. Caricato, de facto. Já os portugueses tinham apanhado o comboio de regresso e chegava novo telegrama do governador que, afinal, permitia a deslocação."[3]

Esse episódio também é narrado no mais recente livro de José e António Nascimento (2010), e que também serviu de fonte ao "Qvid Tvnae", citando os periódicos conimbricenses da época:

 Pouco antes da hora da partida do comboio, apresentou-se na gare o Governador civil interino sr. Gil, que participou aos estudantes portugueses que acabava de receber um telegrama do Governador de Valladolid, dizendo-lhe que não lhes consente sair para aquela província; por cujo motivo se viram obrigados a suspender a viajem e a regressar a Coimbra. Como no inesperado telegrama não se fazia referência de nenhum género, respectiva aos motivos para que não fossem a Valladolid, os estudantes do reino vizinho, foram muitas as versões que circularam e muitos os comentários; inclinando-se a opinião geral a crer que somente razões de índole sanitária podiam ter originado a mencionada proibição.
Resultado de tudo: os estudantes de Coimbra pela ordem que acabava de lhes ser comunicada, fizeram uma reunião e decidiram por unanimidade retornar no primeiro comboio para Portugal.
Efectivamente, esta manhã às quatro saíram para Coimbra.”
Nas primeiras horas desta tarde [25 de Fevereiro, mesmo dia da partida para Coimbra] recebeu o sr. Gil este outro telegrama do Governador de Valladolid: «Pode permitir V. S. aos estudantes de Coimbra que venham a esta capital. – Governador civil.»

"Às seis da tarde de ontem [26 de Fevereiro] recebemos na nossa redacção [“La Libertad” de Valladolid] a visita do Presidente interino da Comissão escolar para comunicar-nos que os estudantes de Coimbra não virão visitar-nos para já. Parece que a Direcção de Saúde se opôs a que viessem a Valladolid, tendo em conta o estado excepcional em que se encontra actualmente o vizinho reino lusitano por motivo da peste bubónica.
À Comissão que se dignou visitar-nos estranhava-lhe tais medidas, por que, se houvesse alguma razão para adoptar-las, deveriam tomar-se logo, não permitindo aos estudantes de Coimbra ir a Salamanca, em cuja capital estão agora a celebrar veladas e récitas com grande aplauso dos salmantinos. Mas o caso é que, ouvindo as advertências da Direcção de Saúde, o ministro da Governação telegrafou, com carácter de urgência, ao governador civil desta província a fim de que não permita a vinda dos estudantes portugueses a esta capital. E o sr.  governador comunicou-o imediatamente aos estudantes vallisoletanos. Uma comissão destes saiu no comboio para Medina com o objectivo de avisar os seus companheiros de Coimbra.
Suspendeu-se, pois, toda a classe de preparativos que se estavam a fazer para receber a Tuna Portuguesa.” [4]

Foto com a TAUC que ilustra a visita sr. D. Abelardo Pietro Veja,
 em 8 de Março de 1900,  a Coimbra, em nome da academia de Valladolid,
 para dar uma satisfação acerca dos motivos  pelos quais a autoridade superior
não deixou seguir a Tuna Académica para aquela cidade.


Por que razão, depois da inicial proibição, surge novo telegrama a permitir a viagem a Valladolid?
Muito provavelmente porque se veio a considerar que o surto de peste, que porventura se pensava generalizado em Portugal, estava, afinal, confinado à cidade do Porto e que Coimbra estava a salvo da epidemia, pelo que sem razões para aplicar a quarentena aos estudantes conimbricenses.

O certo é que logo no mês seguinte, e após a visita de D. Abelardo Pietro Veja a Coimbra, em nome da academia de Valladolid, a TAUC regressa a Salamanca e a Valladolid, esquecido o desagravo de que fora alvo.


Depois do périplo por Salamanca e Valladolid, a TAUC ruma a Madrid:


TAUC em Madrid - Nuevo Mundo, Ano VII, N.º 326, de 04 de Abril de 1900, p.16


ESTUDANTINA PORTUENSE



 Diário Illustrado, 29.º Anno, n.º 9686, de 26 de Fevereiro de 1900, p.1


Embora ao de leve assinalado em Tvnae Mvndi, trazemos mais detalhadamente o caso que envolve a Tuna portuense que pretendia deslocar-se à Galiza (para visitar Santiago de Compostela) e é impedida de entrar em Espanha por ordem do Director Geral da Repartição de Saúde de Madrid - que telegrafa a sua decisão ao governador da Corunha.
Informado o  Alcaide (presidente da câmara) de Santiago de Compostela, este telegrafa ao presidente da Tuna do Porto dando-lhe conta da decisão e da tristeza de os não poder receber. 

Uma vez mais, e tendo em conta que a ordem vem de uma autoridade de saúde pública, e ao que similarmente sucedeu com a Tuna de Coimbra, todos os motivos apontam para o receio que havia, em Espanha, que a epidemia que se fazia sentir no Porto lá pudesse chegar.

Passando os olhos pelos seguinte excerto, é evidente que estávamos perante um grave caso de saúde pública e o receio de que as numerosas comitivas constituídas pelas tunas, especialmente a do Porto, pudesse ser um veículo de transmissão de doença.

"O Porto, em particular, apresentava condições especiais para o desenvolvimento das doenças, por ser uma cidade industrial com uma população de grande mobilidade a viver nas piores condições de salubridade. Apesar das medidas do Estado para melhorar a higiene pública, no final do século XIX os problemas da cidade do Porto persistiam de tal maneira que Ricardo Jorge apelidou-a “cidade cemiterial”. Nas suas obras, o professor de medicina aprofundou a questão das ilhas como causa para a proliferação de doenças e epidemias, com especial destaque para a tuberculose (Jorge, 1899). Esse seu trabalho ajudou a influenciar a rainha dona Amélia na criação, nesse mesmo ano, da Assistência Nacional aos Tuberculosos e na construção de sanatórios para os doentes (Almeida, 1995). Até no estrangeiro a situação era conhecida: “O Porto tem falta de um bom sistema de canalização e a imundice nos bairros baixos da cidade é indescritível e suficiente para provocar qualquer epidemia. … É agora necessário tomar medidas muito enérgicas, construir novos esgotos ou sem isso o Porto continuará a ser das cidades mais insalubres da Europa” (Diário..., 5 set. 1899, p.1).
(...)
"Em 1899 declarou-se no Porto uma epidemia de peste bubónica, diagnosticada pelo professor de higiene e medicina legal da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, Ricardo Jorge, na altura médico municipal e diretor do posto de desinfeção pública do Porto, e verificada por vários médicos estrangeiros que se deslocaram a Portugal para estudar a doença e que publicaram relatórios sobre o combate à epidemia, nos quais o trabalho de Ricardo Jorge foi elogiado (Calmette, Salimbeni, 1899; Ferrán y Clua, Viñas y Cusi, Grau, 1907; Montaldo y Peró, 1900). Em 24 de agosto de 1899 foi estabelecido um cordão sanitário à volta do Porto, cercado pelas autoridades militares, que foi levantado em 22 de dezembro."[5]

Ficam, pois, esclarecidas as razões pelas quais, no ano de 1900, duas tunas portuguesas foram impedidas de viajar em/para Espanha.





[1] Em razão da onda anarco-sindicalista, e do movimento separatistas registado sobretudo na Catalunha, após a guerra hispano-americana ou, então, do receio dos ideais republicanos (republicanos que obtiveram, nesse mês de fevereiro, uma estrondosa vitória eleitoral no Porto).
[2] DN, 36.º Ano, n.ºs 12.291 e 12.295, 24 de Fevereiro e 1 de Março de 1900 (respectivamente) p. 1.
[3] COELHO, Eduardo, SILVA, Jean-Pierre, SOUSA, João Paulo e TAVARES, Ricardo - QVID TVNAE? A Tuna Estudantil em Portugal. Euedito, 2011, p.178
[4] NASCIMENTO, António José S. e NASCIMENTO, José António S. – Estudantes de Coimbra em Orquestra: Tuna Académica da Universidade de Coimbra (1888 1913). Coimbra: Bubok Publishing S.L., 1.ª ed., 2010, pp. 133-134. Em linha (p. 216)
[5] ALMEIDA, Maria Antónia Pires -  As epidemias nas notícias em Portugal: cólera, peste, tifo, gripe e varíola, 1854-1918. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.21, n.2, abr.-jun. 2014, pp. 692-693. Em linha